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Blog do Juca Kfouri

Futebol Feminino: a próxima grande oportunidade

Juca Kfouri

23/07/2011 09h42

Por MARIA TEREZA PÚBLIO DIAS*

"Se a gente ganhasse o Mundial, teria investimento? Não sei, acho que não. A gente já fez o que fez, e não muda nada".

Essa foi a mensagem da atacante Cristiane, assim que as Canarinhas voltaram da Alemanha, depois de perder para os Estados Unidos nas quartas de final do Mundial Feminino.

Desde que a Copa do Mundo feminina começou a ser disputada, em 1991 o Brasil esteve presente em todas as competições.

Em 1999 ficou em 3º lugar e em 2007 perdeu a final para a Alemanha.

Temos a melhor jogadora do mundo, Marta! Cinco vezes eleita pela FIFA (consecutivas), fez quatro gols na Alemanha e se igualou à atacante alemã Birgit Prinz em números de gols marcados em Copas do Mundo (14).

Mas "só" isso parece não adiantar para que o futebol feminino brasileiro tenha mais apoio.

O bom futebol e a falta de experiência que nossas atletas mostraram são resultados do talento nato das meninas e da falta de preparação para competições importantes como a Copa do Mundo e Olímpiadas.

Antes de ir para a Alemanha, o Brasil fez apenas um amistoso contra o Chile, time que hoje está em 44º  no ranking da FIFA e não participou da Copa do Mundo.

Enquanto os Estados Unidos (1º lugar no ranking da FIFA) fizeram diversos amistosos, sendo um deles contra o Japão, time com quem jogaria a final da Copa, dia 17 de Julho. Os Estados Unidos acabaram perdendo para o Japão, que durante toda a Copa mostrou que além de garra, contou com uma nação inteira apoiando suas atletas durante toda a competição.

Os problemas da seleção brasileira começam mais embaixo.

Em 1999 os Estados Unidos trouxeram para casa a taça de campeãs.

Desde então, o país mudou em relação ao futebol feminino. Em 2001 foi criada a primeira liga feminina no país, a WUSA, que  durou apenas dois anos, por falta de investimentos. Em 2008 a liga atual, WPS (Women's Professional Soccer) foi criada e continua a desenvolver atletas profissionais no país. Hoje a liga conta com 6 times, entre eles o Western New York Flash, onde atuam duas brasileiras, Marta e Maurine. De acordo com o técnico do time, Aaron Lines, a liga tem ajudado a preparar as jogadoras para grandes campeonatos como o Mundial e as Olimpíadas.

Além de ter uma liga profissional,  o desenvolvimento das atletas nos Estados Unidos começa por volta dos 16 anos, quando a maioria das jogadoras esta' se preparando para começar a faculdade. Hoje, nos Estados Unidos, de acordo com a NCAA (National Collegiate Athletic Association) cerca de 380 faculdades associadas têm time de futebol feminino. As atletas são disputadas pelas faculdades e recebem apoio (bolsa de estudos, alimentação e moradia) durante os quatro anos de estudo.

De acordo com o censo do IBGE, temos 17.5 milhões de meninas entre 10 e 19. Essa é a idade em que a maioria das meninas aqui nos Estados Unidos começa a se envolver com o esporte e participar de campeonatos nos clubes em que treinam. Durante o ano letivo, as escolas participam de competições e quando as atletas estão no período de férias escolares, os pais as colocam nos famosos "camps" americanos, onde têm chance de melhorar ainda mais suas habilidades e onde começam a aparecer para os famosos "olheiros" de faculdades.

O Brasil tem, é claro, tradição em futebol, vontade também. E principalmente um público que com certeza estaria interessado em torcer pelo seu time feminino, como mostram os números recordes de tuites na final do feminino e a audiência também recorde das transmissões de TV durante a ultima copa feminina,  na Alemanha.

Esse é o grande diferencial entre os Estados Unidos e o Brasil. Com uma liga estável, as americanas conseguem se preparar melhor para grandes competições, enquanto as brasileiras não conseguem ter um calendário de jogos fixo e times com estrutura para competições. A seleção brasileira que disputou a Copa do Mundo este ano tinha 15 jogadoras que atuam no Brasil, sendo 6 do Santos. As outras, ou jogam fora do Brasil ou estão sem clubes. A goleira Andrea e a atacante Cristiane em entrevistas após a derrota contra os Estados Unidos, deram seus diagnósticos:  "Só raça e vontade não ganham Mundial. Só raça, vontade e confiança não ganham medalha olímpica. Tem que ter, sim, pessoas que queiram trabalhar sério pelo futebol feminino", disse Andréa.  Já a atacante Cristiane lembrou que a Liga Americana (WPS) continua investindo pesado, não importam os resultados.

Diversas brasileiras passaram pela liga americana nos últimos anos. Formiga, Cristiane, Marta, Maurine, sendo que as duas últimas atuam no WNY Flash (NY). Esse é o terceiro clube pelo qual Marta joga nos EUA. Os dois anteriores ao WNY Flash foram campeões da liga. Hoje o time de Marta está em segundo lugar, com grandes chances de terminar em primeiro e trazer mais um título para o currículo dessa grande jogadora.

Marta fez com que a popularidade do esporte crescesse. Tornou-se um ídolo,  reconhecida e querida por onde vá. Nos jogos em casa, crianças de todas as idades lutam para conseguir um autografo ou uma foto. Muitas chegam horas antes do jogo só para ver a jogadora descer do ônibus. O WNY Flash vive dias de sucesso,  no estado de Nova Iorque depois que trouxe Marta para jogar aqui. Ingressos para os jogos vendem como água e quando os fãs ligam para comprar ingresso a pergunta é sempre a mesma: "A Marta vai jogar?".

A pergunta óbvia é: por que uma atleta brasileira que é a melhor jogadora do mundo não está jogando em uma liga no Brasil? Por que não temos crianças brasileiras jogando futebol e dizendo que quando crescerem querem ser igual à Marta?

A Copa do Mundo feminina que terminou no dia 17 de Julho foi transmitida pelo maior canal de esportes dos Estados Unidos (a ESPN) que fez uma cobertura completa, transmitindo todos os jogos nos seus dois canais e também pela internet. De acordo com a revista Bloomberg, durante a final entre Estados Unidos e Japão o canal atingiu uma média de 8.6% de audiência. Doze anos atrás, em 1999, quando os EUA jogou a semifinal contra o Brasil o canal teve uma audiência de 3.2%. Pra se ter uma ideia, o jogo da liga de Basebal nos Estados Unidos obteve apenas 6.9% de audiência (e era o jogo dos "All-Stars", que tem os melhores jogadores do país.)

Além disso, durante a partida, foi batido o recorde de tuítes por segundo. De acordo com o G1 e diversos jornais pelo mundo, a média foi de 7.196 tuítes por segundo durante a partida. Durante a disputa de pênaltis entre Brasil e Paraguai a média foi de 7.166 tuítes por segundo.

Esses indicadores mostram que o futebol feminino vem crescendo e tem chances de se tornar ainda maior. O futebol é um esporte de tradição no Brasil e agora é a vez do país abraçar essa oportunidade. As Canarinhas da Granja Comari contam com os mesmos patrocinadores da selecão masculina (Nike, Itaú, VIVO, Guaraná Antártica, SEARA, Nestlé, Extra, Gillette, Wolkswagen, TAM), mas não é o suficiente para que as atletas estejam preparadas para competições de grande porte. Ao contrário da seleção feminina dos Estados Unidos, o time também conta com os mesmos patrocinadores da seleção masculina (American Airlines, All State, AT&T, Budweiser, Castrol, DICK'S, Gatorade, El Jimador, Kumho Tires, Nike, Pepsi, VISA), mas o suporte e a preparação que o time recebe nem se compara a seleção brasileira. O "Team USA", como são conhecidas por aqui, conseguem aproveitar os benefícios que os patrocínios trazem para as duas seleções. O resultado nós podemos ver dentro de campo, um time mais estabilizado, melhor preparado e com um background que não se compara ao país do futebol.

A mesma tecla vem sendo batida nos últimos anos: as meninas lutam e fazem o máximo possível para trazer alegria ao povo brasileiro. Mas sem investimento, sem organização, essas meninas vão continuar batendo na trave e o futebol feminino também.

*Maria Tereza Públio Dias é mestranda em Administração Esportiva na Universidade Canisisus, Buffalo, EUA, e estagia no WNY Flash, o clube onde joga a também brasileira Marta.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/