Agora que já passou. Aliás, já passou?
A nota sobre o goleiro que mais gols sofreu do Corinthians rendeu.
Rendeu 528 tuitadas, 6.062 recomendações e 859 comentários.
Prova apenas de como é grande Rogério Ceni, entre defensores e detratores.
Houve quem tenha se indignado com o número absoluto e não com a média de gols.
Gente que não sabe que se você faz quatro refeições por dia e eu nenhuma, nós dois fazemos, na média, duas.
Mas você engorda e eu morro de fome.
Gente que não sabe que alguém com a cabeça no forno e os pés na geladeira está com ótima temperatura média e mortinho da silva.
Não é demérito para ninguém levar mais gols de a ou de b, principalmente com a carreira longeva que tem Rogério Ceni.
Desmerece-se sim, todos aqueles incapazes de tratar o futebol com bom humor, gente que, por exemplo, acha que brincar com as cinco estrelas do São Paulo é desrespeito mas adorou quando a âncora do distintivo do Corinthians o afundou na segundona.
Ou gente que achou desrespeito a âncora do Corinthians quando o afogou na segundona mas adorou as estrelas do São Paulo.
Não há de ser nada.
Depois que se soube que até Chico Buarque de Hollanda é achincalhado pela estupidez e covardia que o anonimato da Internet permite (permitirá aqui também?), nada mais é surpreendente.
Em tempo: leia as colunas abaixo sobre Rogério Ceni e sobre o São Paulo FC:
São Paulo, domingo, 25 de dezembro de 2005
Ode a Rogério Ceni
JUCA KFOURI
COLUNISTA DA FOLHA
Caju é sinônimo de Atlético Paranaense, por estranho que pareça. Mas o antigo goleiro do Furacão (anos 30/40) tem seu nome na história, como Lara, do Grêmio, da mesma época.
E são raros os goleiros que têm seus nomes automaticamente associados a um clube, às vezes dois, como Gilmar dos Santos Neves (Corinthians e Santos); Manga (Botafogo e Inter); Raul Plassmann (Cruzeiro e Flamengo).
Oberdã Catani do Palmeiras, Emerson Leão, fundamentalmente do Palmeiras, São Marcos.
Ronaldo, do Corinthians.
Barbosa, do Vasco.
Marcos Carneiro de Mendonça e Carlos Castilho, do Fluminense.
Kafunga, do Atlético Mineiro.
José Poy e Zetti, do São Paulo.
Nenhum deles, no entanto, o que não os diminui em nada, bem entendido, pegou três bolas impossíveis numa decisão de Mundial de Clubes.
Rogério Ceni pegou.
Nenhum deles foi eleito o melhor jogador de uma decisão de Mundial de Clubes nem do próprio Mundial.
Rogério Ceni foi.
Nenhum deles fez gols e mais gols pelo seu clube.
Rogério Ceni fez e fará.
Jamais houve um goleiro como Rogério Ceni, que compõe agora, como disse o autor do livro sobre o São Paulo ("Dentre os grandes, és o primeiro", da Coleção Camisa 13, pela Ediouro), Conrado Giacomini, a Santíssima Trindade Tricolor, ao lado de Leônidas da Silva e Raí.
Do mesmo modo que não se afirmou aqui, na coluna passada, que o São Paulo é o maior time de todos os tempos do Brasil (porque nem é preciso comparar a equipe do tri mundial com o Santos de Pelé, basta compará-lo ao próprio São Paulo de Raí para constatar o tamanho da estupidez, se cometida), pois apenas se constatou que o São Paulo é o clube mais vitorioso do país, também ninguém está dizendo que Rogério é o melhor goleiro da história.
Ele é só (?!) o mais emblemático e bem sucedido a personificar um clube de futebol.
Até outro dia mesmo, com toda sua história no Morumbi, poderia se dizer que Rogério já tinha um lugar de honra na galeria dos ídolos tricolores, mas poucos e desimportantes títulos como titular. Agora não só tem os dois títulos mais importantes que um clube pode ter como, ainda por cima, os obteve como os obteve, fazendo gols e milagres, tanto na Libertadores quanto no Mundial.
Ah, mas ele não está na seleção. E não está porque não gostou de ter seu cabelo cortado na Copa das Confederações de 1997, na Arábia Saudita.
Romário anunciou que o time rasparia a cabeça caso chegasse à final do torneio.
Rogério foi pego de surpresa. Não gostou e não disfarçou o desagrado com a violência.
Até já disse que se não faltasse só uma partida teria pedido para voltar para o Brasil e de tão amuado não saiu mais de seu quarto, a não ser para treinar e se alimentar.
Zagallo viu em sua atitude "falta de espírito de grupo".
Só resta dizer, como diria Fernando Calazans, azar da seleção.
São Paulo, segunda-feira, 19 de dezembro de 2005
O maior clube do Brasil
JUCA KFOURI
COLUNISTA DA FOLHA
O São Paulo é agora o clube mais vitorioso do futebol pentacampeão mundial.
Ao ganhar o tri, superou até mesmo o Santos de Pelé.
Até ontem, quando ambos eram bicampeões mundiais, a diferença estava exatamente no Rei do futebol, o que não é pouco.
Mas a nova conquista tricolor dá inegável vantagem ao ainda jovem clube do Morumbi.
Em 70 e poucos anos de vida, ninguém ganhou mais do que o São Paulo F.C.
E, se não teve um Pelé, embora tenha tido Leônidas da Silva, o tricolor consagrou o mais simbólico de todos os inesquecíveis goleiros cujos nomes são associados automaticamente a um clube.
Nem é preciso dizer que se trata de Rogério Ceni, que ontem viveu uma noite de sonhos, daquelas que, depois de vividas, podem encerrar uma carreira, uma vida até. E que vida.
Porque, se foi o Mineiro (que é gaúcho de Porto Alegre) que entrou entre os grandalhões para fazer o gol do trítulo (perdão) -e que gol, sô!, uai!, bah, tchê!-, o outro maior responsável pela conquista tratou de defender três bolas impossíveis, a primeira na cobrança perfeita batida pelo imbatível e batido Gerrard, cracaço.
O paranaense (de Pato Branco) Rogério não precisa fazer mais nada para ter seu lugar como Raí, como Telê Santana, como poucos.
Com 20 títulos estaduais, a melhor média entre todos os clubes paulistas, três brasileiros, três Libertadores e três Mundiais, não há como negar o óbvio, nem no botequim freqüentado pelos mais fanáticos adversários do São Paulo. Não tem para ninguém.
Essencial a firme, sensata, discreta e eficaz condução de Paulo Autuori, assim como é evidente que, com pequenos intervalos excepcionais, as diretorias do São Paulo têm se distinguido da incompetência generalizada que caracteriza a nossa cartolagem.
Pois de Lugano ao tri Mundial, Marcelo Portugal Gouvêa, o único presidente de clube que não votou pela reeleição do eterno manda-chuva da CBF, também merece ser louvado.
Mas, como sempre, os maiores méritos são dos atletas. E na vitória sobre o Liverpool alguns se destacaram mesmo, ou por causa do natural sufoco sofrido no segundo tempo da final.
Rogério, Lugano -que não é um novo Dario Pereyra porque é Diego Lugano e basta-, Mineiro, Josué, Danilo, Aloísio (que passe para Mineiro!) e Amoroso foram os grandes nomes desta curta e impagável epopéia.
O São Paulo se deu maravilhosamente bem de novo onde, depois dele em 1993, o Grêmio (em 1995), o Cruzeiro (em 1997), o Vasco (em 1998) e o Palmeiras (em 1999) fracassaram.
E que nunca mais se diga que os europeus ligam pouco para o Mundial. Podem ligar de maneira diferente, de fato, mas o desespero que os Vermelhos mostraram a cada chance conjurada e a tristeza no final do jogo são suficientes para pôr as coisas em seus devidos lugares. Finalmente, parabéns à arbitragem mexicana, perto da perfeição.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/