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Blog do Juca Kfouri

A coluna que escrevi e a que gostaria de ter escrito

Juca Kfouri

10/07/2011 10h01

A que escrevi, para a "Folha de S.Paulo" de hoje, aqui reproduzida excepcionalmente:

JUCA KFOURI

Teixeira por Teixeira

O cartola que comanda o COL deixa mal os amigos e se enforca com as próprias palavras

DÁ ATÉ pena.
As declarações de Ricardo Teixeira, o cartola que comanda o Comitê Organizador Local da Copa do Mundo no Brasil, à repórter Daniela Pinheiro, da revista "Piauí", são uma saraivada de tiros nos próprios pés.

Fora as balas perdidas em devaneios que os fatos não comprovam, como por exemplo a menção às pesquisas que aprovam seu trabalho na CBF.

Fosse assim, por que ele fugiria de qualquer evento público no país?

Por que foi vaiado na festa da própria CBF no fim do ano passado, no Theatro Municipal do Rio? Ou por que ouviu o coro que ouviu até da elite que estava na premiação do último Mundial de futebol de areia em Copacabana?

Outro tiro que erra o alvo é o que tenta convencer os leitores de que não foram as manobras protelatórias de seus advogados, pagos pela CBF, que conseguiram levar ao arquivo boa parte das denúncias que teve de responder na Justiça.

Mas nada disso surpreende.

Nem mesmo sua arrogância e o vocabulário destemperado, de baixo calão, típico de quem usa o discurso para esconder o sentimento, embora faça questão de revelar seu indiscutível poder.

Poder, como ele mesmo diz, de fazer maldades, de negar credenciamentos e até de constranger os amigos, ao deixar mal, por exemplo, o jornalismo da Rede Globo que, segundo ele, lhe seria subserviente.

Mas poder que não o faz nem ter credibilidade nem ser querido, apesar de achar que merece pois imagina que ganhou as duas Copas do Mundo conquistadas em sua gestão interminável.

Apesar disso, fica evidente que Teixeira sofre.

Porque quem crê nele? Nem sua pequena filha, que protagoniza episódio delicioso na reportagem, ao se surpreender com a repentina mudança de candidato apoiado por ele na recente eleição da Fifa e levar um beliscão por baixo da mesa para calar-se e deixar de ser inconveniente.

Que o ex-sogro, João Havelange, aos 95 anos, o tenha na conta e diga que ele é a própria definição de malandragem ("no bom sentido, claro") é compreensível. Mas que ele, ainda aos 64, fale que um portal como o UOL dá traço, ou que faz parte, com a Folha, o "Lance!" e a "ESPN", de uma "patota" é digno de internação, porque só Freud explica.

Teixeira imaginou que uma publicação com laços com o banco Itaú, patrocinador da CBF e da Copa, o pouparia. Enganou-se e falou demais.

Deu bom-dia a cavalo.

E, aqui, a coluna que gostaria de ter escrito, também de hoje, no "O Estado de S.Paulo", de autoria de Ugo Giorgetti:

UGO GIORGETTI

Bons companheiros

Esta semana uma matéria da revista Piauí sobre Ricardo Teixeira sacudiu a comunidade futebolística. Partes importantes da matéria foram reproduzidas por vários jornais, inclusive no Estado. Esses resumos traziam as frases e declarações mais bombásticas ou mais exemplares de seu modo de pensar.

Fui ler a reportagem completa da revista Piauí, talvez levado pelo meu instinto de ficcionista, sempre à procura de algum personagem, e, confesso, não me decepcionei. A matéria é exemplar, muito bem escrita, com um agudo senso de observação direcionado aos detalhes e às aparentes insignificâncias. Não vou falar das acusações que pesam sobre Ricardo Teixeira.

Não sou jornalista investigativo e não vou falar sobre o que não sei, embora respeite e goste muito de alguns jornalistas que ele especialmente deprecia em suas declarações. Vou falar do que os detalhes da matéria me revelaram.

Ao contrário do que se poderia pensar, o mundo em que se move o Sr. Ricardo Teixeira é tudo menos glamouroso, aventuresco, imprevisível e charmoso.

O que aparece é um homem absolutamente comum, banal, quase triste, que se movimenta num meio composto de velhos cansados, cinzentos, opacos, que só se manifestam por meio de lugares comuns dos mais vulgares, empregando um linguajar de uma pobreza extrema, só igualado pela indigência de seus raciocínios.

Ricardo Teixeira, o poderoso comandante da CBF, vai a Zurique há mais de trinta anos, mas "seus trajetos são inalteráveis: hotel, Fifa, os mesmos restaurantes, onde é atendido pelos mesmos garçons, a quem pede os mesmos pratos". Garçons que falam português, e o chamam pelo nome. Tudo o que não for negócios da CBF parece passar a léguas de seu interesse.

Sua quase indiferença a tudo atinge, até os lugares em que está, por mais belos que possam ser. Logo no início da matéria há um parágrafo que equivale a uma descrição quase completa do personagem. Ele está num terraço de hotel que dá para "jardins aparados com esmero em primeiro plano, depois um lago sereno e ao fundo os Alpes soberbos". Só que Ricardo Teixeira "tomava champanhe sentado de costas para o jardim".

Em outro momento Teixeira se mostra surpreso ao saber que um dos principais pontos turísticos de Zurique, os vitrais de Marc Chagall, ficam a menos de quatrocentos metros do hotel que frequenta há trinta anos.

Toda essa falta de interesse pode passar apenas por modéstia e concentração em seu próprio trabalho. Não parece ser isso. Parece mais falta completa de imaginação e necessidade de outros alimentos que não estejam conectados com o mero exercício do poder.

Não consegui ver na matéria um único rasgo de grandeza, uma única frase memorável. E todos conhecemos grandes personagens, mesmo quando suas ações são as mais discutíveis, para não dizer desprezíveis.

A literatura e o cinema estão cheios de vilões fascinantes. A mim me pareceu que a Ricardo Teixeira e seus amigos não se aplica a expressão vilões. São muito menos do que isso. Parecem pequenos homens de negócio, de vidas enfadonhas, fechados num estreito círculo igualmente pobre mentalmente, desconfiando uns dos outros, gastando todos seus momentos de vida defendendo-se de acusações reais ou imaginárias. O dinheiro não lhes serve para nada. Não sabem sequer como gastá-lo e mesmo tendo tudo à disposição fazem tudo errado.

O que essa gente tem a ver com a epopeia do futebol? O que tem a ver com vidas como as de Sócrates, Romário, do próprio Ronaldo Fenômeno, esses sim personagens. Esses sim fascinantes, independente do mérito de suas ações. O que esses toscos velhotes de Zurique tem a ver com a elegância de um Falcão ou de um Ricardo Gomes?

O que a paixão de multidões ensandecidas nos estádios de futebol, tem a ver com um personagem que, assistindo Manchester United x Barcelona, no habitual hotel de luxo, enquanto os outros "xingavam, gritavam, comentavam e vibravam, Teixeira parecia ver um filme repetido da sessão da tarde …

No meio do jogo pegou seu iPad. Quando Messi marcou um gol, mal levantou os olhos por cima dos óculos para conferir o tira teima."


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/