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Blog do Juca Kfouri

O dia em que a ditadura matou Mané Garrincha

Juca Kfouri

20/06/2011 20h00

Por ROBERTO VIEIRA

20 de junho de 1964.

Garrincha e Elza Soares dormem na Ilha do Governador.

O casal mais odiado do país.

Castelo Branco se define como homem de centro-esquerda.

Os cariocas apoiam Castelo.

O São Paulo é campeão em Florença.

O Flamengo é campeão do Torneio Naranja com Paulo Choco.

Mas Elza estava com Jango no Comício da Central.

Elza estava com Jango na sede do Automóvel Clube.

Garrincha estava com Elza pro que desse e viesse.

A ditadura chega de madrugada.

Os homens acordam todo mundo na casa.

Garrincha, Elza, a mãe e os três filhos da cantora.

Armas em punho.

Todo mundo nu virado pra parede da sala.

Paredão.

Garrincha pede que poupem as mulheres.

Os militares vasculham a casa.

Destroem os móveis.

Semeiam o terror.

Garrincha está só diante do time adversário.

Garrincha bicampeão mundial.

Garrincha das pernas tortas.

A ditadura vence o jogo.

Mas antes de sair, deixa uma lembrança.

Um dos carabineros abre a gaiola do mainá.

Pássaro indiano.

Xodó de Mané Garrincha.

Curiosamente presente de Carlos Lacerda.

Lacerda que amava os tanques.

Lacerda que também teria seu dia de mainá.

O pássaro desaparece nas mãos do futuro torturador.

O mainá tem seu pescoço torcido.

Garrincha observa o gesto e chora.

O último a sair agarra Mané e afirma:

"Se abrir o bico vai ficar que nem esse passarinho!"

Os jornais publicam a notícia.

Subtraindo a verdade.

O Brasil do mulato inzoneiro.

O Brasil do homem cordial.

Mostra sua face brutal.

Longe das arquibancadas.

Longe dos campos de futebol.

20 de junho de 1964.

O dia em que a ditadura matou Mané Garrincha…

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/