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Blog do Juca Kfouri

Futebol também é esporte pra mulher

Juca Kfouri

24/06/2011 15h05

Por TÚLIO VELHO BARRETO*

Após ser escolhida a terceira melhor jogadora de futebol feminino do mundo por duas vezes, a atacante Marta venceu as cinco últimas edições da eleição da FIFA.

A eleição, que está apenas em sua décima edição, é realizada junto a representantes dos mais de duzentos países filiados à entidade.

Trata-se de recorde absoluto entre homens e mulheres. Na mesma pisada, outra jogadora da seleção, Cristiane, ficou, por duas vezes, em terceiro lugar.

No plano coletivo, a seleção brasileira feminina também tem obtido sucesso.

Foi quarto lugar nos dois primeiros torneios entre seleções femininas em Olimpíadas.

Nas edições seguintes, bateu na trave e conquistou a medalha de prata após prorrogações contra os Estados Unidos.

Atualmente, nossa seleção é bicampeã panamericana e vice-campeã mundial.

E é exatamente o título da Copa do Mundo na Alemanha, que começa domingo, mas tem recebido cobertura inferior à Copa América, o novo desafio de Marta e da seleção brasileira.

Mas todas as conquistas são bem recentes.

E por uma razão: o enorme preconceito contra a participação feminina em um esporte tido, aqui e em muitos países, como exclusivamente masculino.

O preconceito, que pretendeu – e conseguiu durante quase cem anos – excluir as mulheres do esporte mais popular do mundo, contribuiu para que elas ficassem quase 'invisíveis' também nessa importante prática social. E não ocupassem os espaços públicos.

De fato, criado por homens na Inglaterra, em 1863, o moderno futebol chegou ao Brasil no final do século XIX.

Assim como na Inglaterra, aqui o futebol também se estabeleceu como espaço masculino e elitista.

Só deixou de ser um esporte de elite quando incorporou jogadores negros e adotou o profissionalismo.

Mas isso não significou o fim de todos os preconceitos. Persistiu ainda o controle dos homens sobre o esporte.

Tal fato ocorreu não por falta de interesse e iniciativas das mulheres.

Por exemplo, em 1892, na Escócia, houve a primeira partida entre times femininos.

Em 1895, a primeira entre seleções da Inglaterra e Escócia.

No Brasil, há indícios de partidas entre mulheres em 1908-09.

Mas o primeiro registro histórico de uma disputa entre times femininos é de 1921, em São Paulo.

Logo depois a mulher passaria a ser só espectadora. O que tamb   m não durou muito apesar do substantivo 'torcedor/torcedora' derivar do ato de as mulheres torcerem seus lenços e chapéus durante partidas de futebol.

A iniciativa de excluir as mulheres de um espaço social e público, que os homens consideravam seu, foi transformada em lei pelo governo brasileiro em 1941.

Em pleno Estado Novo, Getúlio Vargas editou o Decreto Lei 3199, que criou o Conselho Nacional do Desporto. Nele, pode-se ler: "Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza", entre eles o futebol.

Era uma espécie de apartheid, embora as mulheres resistissem, criassem times quase clandestinos e praticassem futebol sem caráter competitivo.

O Decreto Lei resistiu à redemocratização de 1946 e foi ratificado pelo regime militar em 1965.

Só foi revogado em 1979.

Tais fatos mostram que tais restrições apenas davam vazão ao machismo, socialmente aceito, criando também no futebol uma reserva de mercado de trabalho masculino ao mesmo tempo em que  'condenavam' mulheres-jogadoras ao espaço privado da casa e da família.

É tal realidade que, no passado, as pioneiras e, hoje, Marta, Cristiane e tantas outras buscaram vencer.

Além de encantar com seu futebol, superar tal estado de coisas é uma de suas muitas lutas, que deve ser encampada por toda a sociedade.

*Túlio Velho Barreto é cientista político da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) e vice-coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Sociologia do Futebol (Nesf-UFPE/Fundaj)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/