Há exatos 40 anos!
A Justiça Divina se fez em dez letras no Morumbi*
Corria o ano de 1971.
Era abril e fazia frio no Morumbi, uma tarde de chumbo, cinzenta, daquelas em que nada pode dar certo no dia 25.
Para piorar, o Corinthians vinha mal no campeonato paulista e enfrentaria o Palmeiras de Leão, Luís Pereira, Dudu, Ademir da Guia, César, uma verdadeira seleção.
A Fiel foi ao Morumbi mais por solidariedade que por outro sentimento qualquer.
Já que a catástrofe era inevitável, afundássemos todos juntos.
O primeiro tempo não ia nem pela metade, e César já havia feito 2 a 0.
O primeiro gol aos 27 segundos de jogo, um dos três mais rápidos na história dos gols sofridos pelo Timão.
A goleada era inevitável e só não estava desenhada em cores mais fortes porque o Palmeiras preferiu brincar, dar olé, para delírio dos verdes.
A massa alvinegra, que chegara desconfiada, resolveu que uma goleada era até admissível, mas que não veria calada o seu time ser desmoralizado.
E tratou de recepcioná-lo com comovente ardor na volta para o segundo tempo.
Mesmo que aos trancos e barrancos, o time soube corresponder ao carinho, e o centroavante Mirandinha diminuiu o placar.
O Palmeiras tratou de jogar sério.
Só que, de repente, não mais, o menino Adãozinho, revelação dos juvenis que acabara de entrar, acerta um tirambaço de mais de quarenta metros que Leão não pde defender.
O Morumbi enlouquece, e a tarde fria chega a mais de cinqüenta graus.
Para gelar em seguida.
Na saída do gol de empate, o ataque palmeirense tabela até que Leivinha faz 3 a 2. O empate era só para dar o gostinho de que era possível um milagre, pensou o mais otimista dos corintianos. E nem ele tinha visto nada, ainda.
O Corinthians dá a nova saída e recua a bola para o volante Tião, um médio alto, frio, quase um estilista, mas que, definitivamente, não era de fazer gols.
Pois Tião pega aquela bola e vai.
Alguém pede na direita, ele finge que vai passar e vai.
Agora, o pedido vem do meio, ele olha como se fosse lançar e… vai.
Da esquerda sai quase uma ordem, só que Tião não ouve e vai.
Vai parar, acredite se quiser (e tem teipe para provar, ainda em preto-e-branco, que é melhor), vai parar dentro do gol de Leão, com bola e tudo. Uma loucura!
Três gols em menos de um minuto e meio, incluído aí o tempo para as devidas comemorações.
[…] Àquela altura, por todas as circunstâncias, o empate não seria um desastre para o Palmeiras e deveria ter sabor de vitória para o Corinthians.
Só que o jogo não estava para condicionais.
"Seria", "deveria", isto é coisa de jornalistas.
A única condição que todos aceitavam era ganhar.
Estava escrito para ser assim, e assim foi.
No ultimíssimo minuto, é claro.
M-i-r-a-n-d-i-n-h-a, eis, pausadamente, alto e bom som, o nome da Justiça Divina, do redentor dos humilhados. M-i-r-a-n-d-i-n-h-a fez 4 a 3, e Deus apitou o fim da partida.
*(Extraído do livro Corinthians, paixão e glória, de Juca Kfouri. São Paulo, dba, 2002; 2a edição.)
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/