O apito do juiz
A LINGUAGEM DO FUTEBOL – O JUIZ E O SEU APITO
Por DAVID AZOUBEL NETO*
O apito é um instrumento que serve para assinalar um significado específico numa partida de futebol.
O juiz determina, com um pequeno sopro, o início e o fim do jogo.
Ele comunica, à distância mais ou menos próxima, se a bola saiu, dá o assobio que serve de voz de comando para a parada ou a continuidade do jogo.
Escanteios, faltas, jogadas em impedimento, cobrança de uma penalidade máxima ou média, são assinaladas pelo sopro que provoca um ruído estridente, um silvo cortando o ar, uma ordem de comando que pode interromper o curso normal da partida.
O apito do juiz serve para por ordem no jogo. É verdade que ao ato de soprar o apito seguem-se, costumeiramente, os gestos e indicações.
O apito, com o seu código de linguagem, implica na redução das comunicações verbais entre o juiz e os jogadores.
Não que ele exclua definitivamente o uso da palavra.
O juiz, num primeiro momento, pode preferir chamar a atenção de um jogador, advertindo-o contra suas jogadas perigosas, tentativas de machucar um adversário.
A invenção dos cartões veio ajudar a comunicação através de uma linguagem não verbal. Isso é importante, sobretudo em se tratando de jogadores que falam uma língua que o juiz desconhece.
O uso da obediência às regras do futebol através desses meios de comunicação – o apito, os cartões e os gestos, completam o sistema de sinalização que permite a administração do jogo.
Fica, desse modo, superada a barreira do desconhecimento da língua quando paises de idiomas diferentes se defrontam numa partida de futebol.
É interessante esse aspecto do futebol permitindo a confluência para uma linguagem universal.
O jogo é iniciado, terminado e administrado por um sopro.
Lembra, à distância, a imagem bíblica de Deus fazendo a alma do homem através de um sopro, um gesto simples e condensado que é, ao mesmo tempo, uma representação da vida, tanto no sentido de sua concretude semiológica como no sentido das abstrações que podem se estender a outras metáforas.
Contudo, essa comparação não é apenas uma metáfora.
O juiz, num jogo, é a autoridade máxima. Mais do que isso, ele é o dono da verdade. Se ele apita para marcar um pênalti, um gol, não importa se foi ou não foi. No que pesem todos os seus esforços para ser justo e verdadeiro, ele é, nesse momento, alguém que cria uma verdade. É a sua ordem, a sua palavra (sopro) que cria essa verdade, um estado de ser. Ora, isso o aproxima bastante de uma divindade.
A vida de todos nós depende, o tempo todo, de um sopro. Esse sopro poderá ser transformado em palavras, porém vai além e aquém das palavras.
David Azoubel Neto é psicanaliste e autor de "O futebol como linguagem".
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/