O papel da Copa-2014
Na onda do Mundial no Brasil, aparecem diversas revistas sobre futebol, o estrangeiro, de preferência*
De repente, não mais, como diria o poeta, o país que tinha apenas uma revista de futebol, tem, se a conta não estiver errada e a memória em dia, nada menos do que meia dúzia.
Todas mensais, é verdade, nenhuma semanal, mas seis.
Mais que em países com hábitos de leitura incomparavelmente maiores que os nossos, proporcionais, por sinal, à paixão, também maior, que dedicam ao esporte.
No começo, estamos falando de 1970 para cá, era só a "Placar", embora títulos como a "Gazeta Esportiva Ilustrada", "Revista do Esporte", "Manchete Esportiva" e outras menos votadas tenham precedido a semanal, no lançamento e até 1990, da editora Abril.
A ''Manchete Esportiva'', aliás, voltou para tentar concorrer com "Placar", mas durou pouco.
Eis que, no entanto, a Copa do Mundo no país parece ter encorajado diversas iniciativas.
Exceção feita à revista "Trivela", projeto de um grupo de bravos jornalistas que já está em seu terceiro ano e que de tão corajosa é contra a Copa no Brasil por ser comandada por quem a comanda, eis que agora temos as revistas "Invicto" (cujo logotipo, por sinal, é quase ilegível); a Four-Four-Two (yes, you are in Brazil!), que se orgulha de não querer mudar o futebol; a Gol F.C., e a Fut Lance!, esta com o respeitável respaldo daquela que já é a maior editora esportiva da América Latina.
Se a sobrevivência é complicada em tempos de paz, como as idas e vindas da "Placar" comprovam em quase 40 anos de turbulência, que dirá nesta guerra da crise mundial, com o dólar indo às alturas e com ele o preço do papel.
Cada um dos investidores deve saber o que está fazendo, mas o curioso é observar os paradoxos da globalização e seus efeitos em nosso futebol e nestas revistas.
Se a Copa do Mundo potencializa tais efeitos a níveis estratosféricos, a aposta da maioria desses novos editores está concentrada no futebol que se pratica fora de nossas fronteiras, a ponto de uma dessas publicações ter seu título em inglês, em vez de usar o familiar Quatro-Quatro-Dois como se faria poucos anos atrás.
E com conformismo explícito, tipo se o estupro é inevitável, relaxe e goze, (sem nenhuma alusão nem ao desastrado ex-prefeito do "estupra mas não mate" nem à espevitada ex-prefeita que é casada e tem três filhos homens).
Porque não se cogita discutir o modelo de gestão do futebol brasileiro, exportador de pé-de-obra, dado como uma realidade que está aí e veio para ficar.
A aposta é de que o Barcelona em breve será tão popular como o Flamengo é por aqui e que as capas podem ser feitas não só com os brasileiros que jogam lá fora como, também, com os estrangeiros, cada vez mais familiares principalmente para quem tem o privilégio da TV por assinatura, afinal, a elite que lê.
Ora, é óbvio que a Copa do Mundo pode até ser uma oportunidade para que se dê uma surfada em sua onda, mas surfistas, no caso, podem virar sinônimo de oportunistas, razão pela qual o afogamento da maioria é inevitável mesmo antes da festa (da farra?) de abertura do Mundial, seja onde for.
Enfim, é revista demais para futebol de menos. Não vai dar certo.
Coluna escrita para a edição nacional da "Folha de S.Paulo" desta quinta-feira, 20 de novembro.
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