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Blog do Juca Kfouri

Deu no Estadão

Juca Kfouri

13/05/2006 12h01

Estava preparando uma resenha do fabuloso livro de Andrew Jennings, que recebi ontem, em francês, (Carton Rouge!).



Editado pela Presses de La Cité, são 462 páginas que lhe custaram quatro anos de pesquisa, investigação e muita pressão.


Ontem, na Tabelinha com Lilian Wite Fibe no UOL News, mostrei o livro e dei uma resumida no tema.


Mas diante da perfeita crítica de Jamil Chade, leia a dele, publicada hoje no "Estadão".


Livro acusa cartolas brasileiros



"Foul!", de Andrew Jennings, diz que João Havelange e Ricardo Teixeira usaram cargos para proveito pessoal


Jamil Chade


Um livro lançado esta semana na Europa acusa o ex-presidente da Fifa, João Havelange, e o presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Ricardo Teixeira, de corrupção, de se beneficiarem de compra de votos e de usarem o futebol para se enriquecer. Também o atual presidente da Fifa, o suíço Joseph Blatter, é acusado de irregularidades. A entidade máxima do futebol chegou a entrar na Justiça para tentar impedir a publicação do livro do premiado jornalista inglês Andrew Jennings – diante das acusações contra Blatter -, mas na quinta-feira retirou a ação.


O livro Foul! (Falta!, em inglês) conta uma série de episódios em que os dois brasileiros usaram o futebol e a seleção para tirar proveito pessoal. Em um dos capítulos, o autor relata como a Líbia teria dado US$ 500 mil a Teixeira em 1995 para que a seleção fosse jogar em Trípoli. Até Zagallo teria recebido US$ 500 mil em uma conta nas Bahamas.


O jogo nunca chegou a ocorrer, mas os líbios não pediram o dinheiro de volta nem a Zagallo nem a Teixeira. O livro insinua que estariam esperando por uma compensação futura, na forma de um eventual voto da CBF a favor da Líbia na escolha da sede para a Copa do Mundo de 2010. Os representantes do coronel Kadafi, porém, acabaram desistindo a poucas semanas da eleição que determinou a África do Sul como sede da competição.


Teixeira e Havelange ainda teriam feito parte de um projeto para a criação de uma loteria mundial com base na própria Fifa. A idéia surgiu do empresário brasileiro Ercílio Malburg, que também tentou convencer Pelé a participar. Sem sucesso, foi em busca do empresário Matias Machline, então responsável pela Sharp no Brasil, e Antonio Carlos Coelho, do Banco Vega. Mais tarde, o banco estaria entre os investigados pela CPI do Futebol, no Congresso.


O livro conta como, em 1993, Havelange, representantes da ISL (empresa que controlava os direitos de transmissão da Copa do Mundo), Machline e Coelho se reuniram em Miami para discutir o projeto. O Fifa Club, como seria chamado, administraria as loterias de futebol em todo o mundo em jogos organizados pela entidade, inclusive a Copa do Mundo.


Um entendimento preliminar foi assinado naquele ano, salvo por Havelange, que não queria seu nome em nenhum documento. O envolvimento da Fifa ocorreria por meio da ISL e os cálculos indicavam que as operações poderiam movimentar US$ 8 bilhões por ano. O livro traz cartas enviadas ao então secretário-geral da Fifa, Joseph Blatter, sobre o assunto.


No dia 12 de outubro de 1994, o acordo foi finalmente assinado em Nova York. Machline, após o evento, embarcou em um helicóptero para Atlantic City e morreu no mesmo dia, vítima de um acidente com o aparelho. Poucas semanas depois, no Hotel Crowne Plaza, em São Paulo, Teixeira deixou claro aos demais empresários que manteria o projeto. O presidente tentou lançar a idéia na França, mas não conseguiu e os responsáveis pelo grupo Machline abandonaram a idéia.


Teixeira não é poupado no livro, que mostra como Blatter evita dar poderes ao brasileiro na Fifa. Segundo o autor, Blatter destina apenas postos de pequena influência política aTeixeira, como a presidência das comissões de Futsal e arbitragem. Embora tenha sido investigado pela CPI do Futebol, Teixeira ainda foi nomeado membro de comissão de auditoria interna na Fifa.


Procurados pela reportagem, Ricardo Teixeira, Zagallo e João Havelange, que está em Paris, não foram localizados.


Havelange e o uso da seleção


 
Livro diz que ex-presidente da CBF e da Fifa utilizava prestígio do selecionado brasileiro



O livro "Foul", do jornalista britânico Andrew Jennings, diz que o ex-presidente da Fifa, João Havelange, teria usado a seleção para obter votos das federações e se tornar o presidente da entidade em 1974. De acordo com o autor do livro, o então presidente da CBD levava a seleção tricampeã do mundo na época para jogar em "países amigos" e deixava a renda da partida inteiramente para os organizadores do amistoso.


O livro de Jennings, escritor consagrado e que provocou a demissão de membros do Comitê Olímpico Internacional graças a suas revelações nos anos 90, revela que Havelange ainda contou com o apoio da Adidas para ser eleito. A obra conta como Horst Dassler, diretor da Adidas, decidiu apoiar o brasileiro contra o então presidente da Fifa, Stanley Rous. Dassler teria enviado envelopes com dinheiro aos delegados indecisos para que votassem por Havelange e assim o brasileiro venceu as eleições por 68 votos contra 52.


Em pouco tempo a Adidas foi recompensada. Dassler ganhou o poder exclusivo de comercialização dos direitos da Fifa. Em 1976, Dassler foi quem conseguiu levar a Coca Cola para patrocinar os projetos de Havelange, entre eles o de aumentar a Copa do Mundo. Com dinheiro, patrocinadores e influência, Dassler passou a controlar também os dirigentes da Fifa e teria orquestrado a entrada de Joseph Blatter como secretário geral da entidade.


DITADURAS


O autor do livro ainda faz questão de mostrar, em várias passagens, como Havelange mantinha boas relações com diversos regimes militares no mundo. Segundo Jennings, o presidente da Fifa "prometia dar um pouco de prestígio ao regime desacreditado (no Brasil) e os generais estavam prontos a fazer todo o possível para ajudá-lo" .


Enquanto o mundo criticava a Copa de 78 por ser realizada em um dos períodos mais duros da ditadura argentina, Havelange afirmava que o Mundial mostrava "finalmente a verdadeira cara da Argentina". Em outro episódio, o livro mostra que ele enfrentou organizações de direitos humanos ao designar a Nigéria, durante o regime de Sani Abacha, para realizar o Mundial de Juniores em 97.


Estado de S.Paulo, 13/5/2006


 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/