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Blog do Juca Kfouri

Matthäus, primeiro rolo

Juca Kfouri

10/03/2006 13h13

A notícia nem é nova, pois da sexta-feira passada.


Mas o relato é delicioso e trouxe conseqüências, como restrições à cobertura do Atlético Paranaense, imposta por Mário Celso Petraglia, candidato a Eurico Miranda das Araucárias.


Dê um tempinho para a leitura do que segue abaixo, de autoria de Dante Mendonça, publicado em "A tribuna do Paraná".


 


O craque Matthäus dispensa adjetivos.


Na sexta-feira (passada), bem poderia também ter dispensado os adjetivos e insultos contra Jader Rocha, fotógrafo de reconhecida competência e colunista do jornal "O Estado do Paraná".


Do alto de seu pedestal, Lothar Matthäus devia ter ficado mudo, como convém a um ícone do futebol mundial.


Falou o que não devia e tombou no mármore do Hotel Rayon.


Foi o desfecho lamentável do filme triste que tem a trilha sonora dos Rolling Stones, os cenários exuberantes de Copacabana e cenas de tensão em Foz do Iguaçu, onde a trama começa.


Depois de comandar o Atlético em São Luiz do Maranhão, pela Copa do Brasil, numa quarta-feira, Matthäus fez escala no Rio de Janeiro para assistir ao show dos Stones, no sábado, ao lado de Beckenbauer e mais um time de astros e estrelas na área vip.


Não faltaram fotógrafos, não faltaram poses.


Na manhã seguinte, um avião particular levou Matthäus a Foz do Iguaçu.


 O Atlético jogaria em Rolândia, no Norte, pelo Campeonato Paranaense.


Lá, o Rubro-Negro se deu bem e o alemão também, já que a cidade é de colonização tedesca.


Após a goleada atleticana, o técnico retornou a Foz do Iguaçu.


Os motivos que levaram Matthäus ao périplo de Oeste a Norte e de volta ao Oeste foram de ordem legal, para regularizar seu visto de turista.


E também para isso o Paraguai serve, além das compras do tradutor de Matthäus, que precipitou a parte triste deste filme.


Sabendo que o alemão precisaria forçosamente ficar na segunda-feira em Foz, para carimbar o passaporte na fronteira, a revista "Caras" pautou ensaio fotográfico de Jader Rocha, com Lothar Matthäus junto às cataratas.


A produção de Jader foi à altura do astro: reservou acesso especial ao Parque Iguaçu, acompanhado de autoridades locais.


Até os quatis se perfilaram para recepcionar o privilegiado turista alemão.


Tudo nos conformes, não fossem as compras paraguaias do tradutor de Matthäus, fora da agenda e do percurso, que deixou o alemão uma arara, bem mais brava que as nativas da região.


Mesmo assim, o jornalista Jader Rocha conseguiu levar a arara até a borda das cataratas.


Só não conseguiu cumprir a pauta, fazer a arara posar para os retratos.


Por um capricho de paciência dos deuses do futebol, Lothar Matthaüs destratou Jader Rocha, não cumprimentou nem os quatis perfilados e tomou o rumo de Curitiba.


Assim, a "Caras" ficou sem a cara famosa.


*****


No meio desse filme triste, a revista "Placar" da semana passada publicou reportagem de duas páginas analisando a vinda de Matthäus para os campos do Paraná: "Dupla face: ao contratar Matthäus, o Atlético-PR empolgou seus torcedores e ganhou visibilidade. Mas trouxe um técnico temperamental e com péssima reputação".


Certo ou errado, o repórter Frank Kohl reportou o que viu e ouviu. Equivocada e desastrosa era a legenda da foto de Matthäus junto da bela jornalista Delisiê Teixeira, repórter da Globo paranaense "Marijiana e Matthäus: eles vão morar juntos só depois da Copa".


Com a revista em mãos, quem ficou uma arara foi a mulher do técnico, a sérvia-montenegrina Marijiana. Matthäus virou apenas uma onça. Arara e onça estão processando a revista "Placar".


******


Na quarta-feira, o Atlético empatou com J. Malucelli, time do banqueiro Joel Malucelli. Aliás, também vítima de foto trocada na mesma edição da "Placar". Joel é pessoa gentil e cordial: ligou para os editores e simplesmente solicitou a publicação de errata na próxima edição. Nada mais, nada menos.


Ganhando de um a zero, o Furacão da Baixada deixou empatar no final do segundo tempo. Na lateral do campo, o técnico mostrou suas garras ao bandeirinha e à torcida, que ainda não conhecia o outro lado do astro.


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O jornalista Jader Rocha é profissional como poucos: titular de concorrida coluna de variedades no jornal "O Estado do Paraná", é experiente fotógrafo free-lancer de publicações nacionais e internacionais: as revistas "Caras", "Veja", "Placar" (fotos e legendas trocadas não são dele, frise-se) e o semanário alemão "Der Spiegel", por exemplo.


Foi acompanhado de jornalista desta revista que Jader se dirigiu ao Hotel Rayon, na manhã de sexta-feira, 3 de março, para fotografar Matthäus sendo entrevistado pelo enviado especial da Alemanha.


Arara ou onça, tanto faz. Quando Lothar Matthäus botou os olhos em Jader de estatura baixa, gordinho, pele morena e com os cabelos encaracolados num descontraído rabo-de-cavalo, fazendo o gênero paz e amor dos anos 70s, o dedo em riste do alemão veio em direção ao nariz do fotógrafo, acompanhado de palavrões que deixariam Goethe e Shakespeare ruborizados: do inglês, "son of bitch!" e "mother fucker!" foram duas das frases que acompanharam o dedo em riste. Outros insultos, em alemão, nem os seguranças de Lothar entenderam.


Depois de muito humilhado, o fotógrafo tomou o telefone celular e ligou para outro colega fazer as fotos. Assim que o profissional botou o celular no bolso, Matthäus voltou a investir com o dedo em riste e os mesmos insultos.


Um segundo, dois segundos, uma eternidade, a honra não conta o tempo.


A celebridade jamais esperava que daquele gordinho de pele morena e cabelos encaracolados, um punho se fechasse e um braço se erguesse.


Um murro apenas, num olho apenas, assim foi a queda do rei da Baviera.


 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/